Um bêbado perdeu a carteira…

Um bêbado perdeu a carteira. É tarde da noite, e ele está no estacionamento do bar, ajoelhado, procurando embaixo do único poste de luz. O segurança do bar, ao ver a cena, se aproxima e pergunta:

— O que você tá procurando?

— Perdi a minha carteira.

— Mas você tem certeza de que perdeu ela aqui?

— Não, mas é o único lugar onde tem luz pra eu procurar.

Essa história descreve algo que passou a ser chamado de “efeito poste” (streetlight effect) desde que o jornalista David H. Freedman escreveu um livro chamado “Wrong: Why experts* keep failing us — and how to know when not to trust them” (em tradução livre, “Errado: Por que especialistas* continuam falhando conosco — e como saber quando não confiar neles”). Você pode ler mais sobre neste artigo escrito pelo autor para a revista Discover.

O autor traça um paralelo entre o bêbado da história e os cientistas, que, muitas vezes, continuam procurando por respostas onde claramente elas não estão, simplesmente pelo fato de que ali há “mais luz”, ou seja, mais dados disponíveis. Esse é um dos graves problemas que eu notei nas minhas graduações (Direito, uns dez anos atrás, e Economia, que eu tranquei em 2020), e que ficou ainda mais evidente durante a pandemia de COVID-19.

Existe uma manifestação muito clara do “efeito bêbado” no nosso sistema de ensino (e não estou falando das festas universitárias): as provas. Os professores precisam medir quanto um aluno aprendeu daquilo que eles ensinaram; eles têm várias formas diferentes (e aparentemente muito mais efetivas) de medir isso, mas as provas… Ah, eles têm tanta prática em fazer e corrigir provas (a luz desse poste é tão forte) que é mais fácil aplicá-las do que realmente medir se o aluno aprendeu (o que pode acabar demonstrando que o professor não fez um bom trabalho).

Um dos princípios básicos da Economia é que o ser humano responde a incentivos. No caso do sistema de ensino, o incentivo é claro: passar em provas. Desde os 6 anos de idade, e durante toda a nossa vida de estudante, somos impelidos a um único caminho: conseguir passar em provas escritas, que vão ficando cada vez mais difíceis, até chegar ao “sucesso”, o pote de ouro no fim do arco-íris.

No Brasil, país do concurso público, isso continua na vida profissional: mesmo depois de formado, o sujeito continua estudando pra provas com o objetivo de ser aprovado. Aprender? Deixa isso pra outra hora, o importante agora é a nota, a aprovação, passar de fase!

Minha opinião: um sistema assim não incentiva a procura por propósito, por razões pra estudar e aprender. Não sei se eu estou certo, mas desconfio que isso tenha algo a ver com o fato de que quatro em cada dez jovens de 19 anos não concluíram o ensino médio no Brasil (dados de 2018), quase metade dos estudantes universitários brasileiros relatem ter vivenciado crise emocional nos últimos 12 meses (dados de 2011), depressão e ansiedade sejam detectadas em níveis altíssimos entre estudantes da área de saúde já no primeiro ano da faculdade (dados de 2015-2016) e as preocupações com suicídio só aumentem.

O conhecimento é a sua carteira, com toda a sua riqueza, perdida por aí. As provas (e o sistema de ensino como um todo) é o poste, iluminando onde quase sempre não está o que você procura. E você, sim, você é o bêbado.

Por isso eu acredito tanto no poder transformador do meta-aprendizado. Quando você se preocupa antes de tudo com o propósito do aprendizado (“por que estou estudando isso?”), além de encontrar motivação para continuar quando as coisas ficam difíceis, a sua percepção de mundo se altera completamente. É como se curar de um porre. Mais do que isso, você aprende que não existe isso de “ser bom ou ruim” em algo: tudo é um processo de melhoria contínua. O foco nunca deveria estar nas notas, e sim em dedicar o tempo, a energia, o foco, a disciplina e a atenção necessárias para ir dormir hoje melhor do que você acordou.

Existem diversas carteiras, uma mais rica do que a outra, disponíveis todos os dias para nós. Não deixe que a luz das provas te cegue e mate a sua vontade de aprender.

Um abraço e até a próxima!

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