Semana passada tive a oportunidade de acompanhar duas aulas com o Diogo Kotscho, Senior VP de Comunicação do Orlando City.
Além da união e cooperação entre equipes (principal lição que o futebol brasileiro pode tirar da MLS), como se esperaria de uma liga, o que chamou muito a minha atenção é como a visão do clube de futebol como um produtor de eventos e conteúdo é a base de tudo que eles fazem.
Nas palavras do Diogo, não existe um post em rede social, vídeo ou material gráfico do Orlando City que não tenha saído de dentro do próprio clube; eles têm dentro da sua estrutura uma produtora audiovisual e uma agência de publicidade.
Se o trabalho deles é bom? E se eu te disser que o primeiro troféu do Orlando City no ano foi um Emmy? O episódio 1 da série-documentário Bleed Purple acabou de ganhar o mais importante prêmio de programas de TV do mundo. Se quiser conferir:
Mas o que isso tem a ver com futebol? Simplesmente tudo. Foi exatamente pela capacidade de produzir conteúdo digital de qualidade que o clube conseguiu entregar aos seus 40 (isso mesmo, 40) patrocinadores o retorno esperado e assim manter boa parte das suas receitas, o que permitiu que eles não só mantivessem as contas em dia (o que na MLS não tem nada demais) mas também não demitissem nenhum (isso mesmo, zero) colaborador durante a pandemia.
Quer mais? Foi iniciativa do Orlando City a criação de uma “bolha” em plena pandemia, usando a estrutura dos complexos ESPN/Disney de Orlando, que permitiu a realização do torneio “MLS is Back” entre julho e agosto do ano passado. A ideia foi tão boa e tão bem executada que a NBA copiou e fez a sua própria “bolha”, dentro do mesmo complexo e sem que houvesse nenhuma comunicação “interbolhas”, para concluir a sua temporada 2019/20.
Mas sabe qual foi a maior ironia pra mim? O Diogo é brasileiro. O Alex Leitão (CEO) é brasileiro. E o acionista majoritário e chairman é o Flávio Augusto da Silva (que, caso você não saiba, também é brasileiro). E não são daqueles brasileiros “com asterisco”, que moram nos EUA desde criança ou são americanos filhos de pais brasileiros: são caras com carreiras consolidadíssimas aqui no Brasil.
É inevitável a pergunta: por que um clube com tantos brasileiros está implementando um projeto tão bem-sucedido… nos EUA? Diogo com a resposta: “somos uma empresa americana, com uma cultura empresarial americana e uma base de clientes americanos”.
E essa, pra mim, foi a lição final de tudo que ele falou: o nosso problema é cultural. Nossos clubes não têm marcas, têm brasões. Nossos clubes não têm consumidores, têm “fanáticos”. Nossos clubes levam a rivalidade de dentro de campo para os arbitrais, para a imprensa, para as negociações de patrocínio… Enfim, nossos clubes são instituições centenárias cuja cultura está coberta de poeira e ferrugem, cujas estratégias de negócios não evoluíram (se é que existiram).
Felizmente, esse paradigma está sendo superado. Palmeiras, Flamengo, Fortaleza, Ceará, Bahia, Athletico-PR, América-MG, dentre outros, começam a colher no campo as mudanças que fizeram nos escritórios. Mas eu me pergunto se ainda dá tempo, e quando teremos umas Série A com 20 clubes minimamente organizados. A destruição de valor promovida (internamente) no futebol brasileiro nas últimas décadas foi assustadora, e, enquanto lá fora se discutem a negociação de direitos de streaming, SPACs esportivas, entrada de fundos de private equity e criação de “superligas” multinacionais, aqui ainda não conseguimos colocar 20 dirigentes numa sala pra chegar a um acordo sobre transmissão em TV fechada, o que criou no ano passado uma série de “jogos fantasma”, sem audiência dentro ou fora do estádio.
Que o futebol brasileiro consiga evitar o caminho de se tornar um “museu de grandes novidades”, em que problemas antigos são debatidos incessantemente, como se fossem novos, sem que se chegue a uma conclusão. Que os amadores, cuja habilidade política leva ao comando dos clubes, saibam dar espaço aos profissionais para que trabalhem e resgatem o futebol brasileiro. Ou então eles vão continuar aparecendo pra dar aula e contar casos de sucesso da sua experiência na MLS.