Você viu “Explicando – A Mente”? Eu vi e conto pra você (sim, tem spoilers).
Pra quem não conhece, “Explicando” é uma série-documentário da Netflix que explica, em episódios de menos de meia hora, temas complexos e curiosos, que vão de K-Pop à diferença de salários entre homens e mulheres.
Pois eles resolveram usar a mesma fórmula pra explicar um tema ainda mais complexo e curioso: a nossa mente. No momento em que eu estou escrevendo este texto, estão disponíveis 5 episódios:
- Memória
- Sonhos
- Ansiedade
- Meditação
- Psicodélicos
Pois, pra te poupar do trabalho, eu não só assisti a todos como vou escrever um texto sobre cada um. Mas eu recomendo que você veja mesmo assim. 😉
Episódio 1 – Memória
O primeiro episódio é sobre memória. Se você me acompanha há mais tempo, sabe que eu sou muito fã desse tema. Já escrevi sobre ele aqui, aqui e aqui. Inclusive, estou finalizando uma resenha do livro Moonwalking with Einstein: The Art and Science of Remembering Everything, que conta exatamente a história do mundo obscuro dos “atletas da memória”.
Quanto você lembra de algum evento marcante da sua vida? Marcante mesmo! Algo como o seu primeiro dia na escola, a morte de um parente próximo, a aprovação no vestibular… Provavelmente, menos de 50%. Pesquisadores usaram um evento muito marcante nos EUA, o atentado às torres gêmeas, pra avaliar quanto as pessoas se lembravam daquele dia. O mais impressionante não é quão pouco as pessoas lembravam, mas sim o quanto elas achavam que lembravam: as pessoas eram capazes de descrever onde estavam, com quem, o que estavam fazendo… mesmo que mais da metade dos fatos narrados não tivessem acontecido.
No episódio, eles usam a divisão entre memória implícita (coisas que você não sabe descrever como lembra, como andar de bicicleta) e memória explícita (fatos, nomes, datas que você consegue descrever). Dentre as memórias explícitas, existem as memórias semânticas (palavras e símbolos) e as episódicas (fatos e acontecimentos).
Apesar da divisão, algo que eles fazem questão de deixar claro é que a memória não tem um lugar específico no cérebro. Cada tipo de lembrança desperta uma parte diferente do cérebro, e essas lembranças são combinadas pelo hipocampo (você se lembra da bibliotecária?). Mas então o que acontece se uma pessoa perde o hipocampo?
Bom, foi isso que aconteceu com um cara chamado Henry Molaison: lá na época da Segunda Guerra Mundial, como parte de um tratamento para epilepsia, ele teve uma porção do cérebro, que incluía o hipocampo, removida (e você reclamando que dói tomar vacina pra gripe, hein?). O impressionante é que, apesar de se manter aparentemente normal, com a mesma personalidade, e capaz de falar normalmente, o pobre Henry perdeu completamente a memória. Bem, completamente não: ele se lembrava muito bem de fatos ocorridos antes da cirurgia; o que ele perdeu foi a capacidade de formar novas memórias.
Mas essa não foi a única sequela: além de perder a capacidade de formar novas memórias, o Henry perdeu a capacidade de pensar o futuro: ele não era capaz de fazer planos ou mesmo imaginar o que faria no dia seguinte. A partir disso, surgiu uma hipótese (a ser confirmada): a estrutura responsável pela formação de memórias no nosso cérebro é a mesma responsável pela imaginação! Se isso se confirmar, seria muito doido: ter uma boa memória seria capaz de te deixar mais criativo(a)! E essa hipótese se reforça quando são analisados os métodos de treinamento de uma classe muito especial de “atletas”: os campeões de memória.
Eles mostram o caso de Yanjaa, três vezes recordista mundial de memória, que mostra no episódio um pouco da sua habilidade ao memorizar, em 5 minutos, 500 dígitos aleatórios. A técnica que ela usa? O Palácio da Memória! Com muita criatividade, ela transforma os números em letras, as letras em palavras, e as palavras em uma história que tem como cenário o seu Palácio da Memória. Basicamente, ela ativa assim as três características de um evento memorável: emoção, localização e história/narrativa.
Ok, mas, se emoção é uma parte tão importante da formação de memória, por que pessoas criaram falsas memórias sobre o 11 de setembro? Bom, se memória e imaginação andam lado a lado, o que acontece é que uma influi na outra: você lembra de forma genérica o evento, e preenche os detalhes com a imaginação. Ou seja, a memória não funciona como o Netflix, em que você pode ver o filme quantas vezes quiser; cada memória é como um roteiro de uma peça de teatro, e a nossa imaginação é a responsável por apresentar o show em si. Portanto, nossa memória é flexível (“plástica”, diriam os cientistas), e se modifica a cada vez que aquela peça é encenada.
O lado sombrio disso é que a criação de falsas memórias pode colocar gente na cadeia: de uma amostra de casos em que pessoas foram presas injustamente e o verdadeiro criminoso só foi descoberto pela análise de DNA, 70% tiveram uma testemunha reconhecendo o inocente como autor do crime.
O lado bom é que a memória pode ser melhorada, e que uma das formas mais eficientes de se fazer isso é fácil, rápida e um dos meus exercícios favoritos: meditação. Quem diria que a nossa capacidade de lembrar o passado e imaginar o futuro melhora quando praticamos estar no momento presente? Se você não sabe por onde começar, comece por aqui. 🙂
Por fim, a Emma Stone (que narra o episódio) faz um questionamento: seria essa capacidade de aliar memória e imaginação o grande segredo do sucesso da espécie humana? Ou isso seria só um sonho?
Bom, sonho é o tema do próximo episódio…