A “dança das cadeiras” voltou – ou melhor, nunca parou

Esta semana aconteceu o tradicional conselho técnico do Campeonato Brasileiro, reunião anual em que os clubes aprovam as “regras do jogo” (o Regulamento Específico da Competição) para a disputa.

A grande “novidade” para a edição de 2022 é, na verdade, o fim da grande novidade da edição de 2021: por unanimidade, os clubes decidiram remover do regulamento a regra que proibia limitava as demissões de treinadores. Para quem não se lembra, um resumo: em 2021, cada clube pôde demitir somente uma vez o treinador, e cada treinador pôde pedir demissão somente uma vez. A regra contava com uma “brecha” que foi amplamente usada e abusada: as demissões “por comum acordo” não contavam para o limite estabelecido, nem para clube nem para treinador.

Ano passado, escrevi um artigo com as minhas opiniões sobre a regra; fazia parte de uma minoria que não acreditava no potencial da regra de ser efetiva, ou seja, atingir o fim desejado. Isso porque, na minha opinião, o grande problema é a debilidade (ou completa ausência) da estratégia esportiva dos clubes que jogam o Brasileirão. O pensamento costuma ser muito mais tático, com decisões que buscam seguir “receitas de sucesso” observadas nos concorrentes ou no exterior. O exemplo mais recente é a “invasão” dos treinadores estrangeiros (muito benéfica, mas com alguns episódios que evidenciam claramente que ou clube ou treinador, quando não ambos, não sabiam o que estavam fazendo).

Longe de querer ser o cara do “eu avisei”, o texto acabou por antecipar muito do que aconteceu, em especial que a regra não parecia atacar o real problema, e com isso não apresentaria de fato uma solução.

Muitos eventos que não foram previstos colaboraram, é claro. O primeiro, talvez o mais importante, foi o afastamento de Rogério Caboclo da presidência da CBF, envolvido em uma série de escândalos (dentre os quais o mais marcante o assédio moral e sexual contra uma empregada da CBF). Ele foi o idealizador da regra, e o seu afastamento (ainda mais pela forma como ocorreu) parece ter pesado para que houvesse uma disposição para desfazer tudo que ele havia feito.

Mas o mais importante foi o fato de que a regra não funcionou. Ainda que alguns estudos quantitativos (de qualidade bastante questionável) tenham demonstrado uma queda no número de trocas, o fato é que o número ainda ficou muito acima daquele observado nas principais ligas pelo mundo. Talvez o caso mais bizarro tenha sido o do Cuiabá: a demissão do treinador Alberto Valentim aconteceu logo após a 1ª rodada da competição (após alguns meses desempregado, Valentim foi contratado pelo Athletico-PR para conduzir o clube ao título da Copa Sulamericana e ao vice-campeonato da Copa do Brasil).

Como dito anteriormente, surgiram diversos casos de demissões que nos portais de notícias foram por iniciativa do clube, mas nos sistemas da CBF foram por “comum acordo”, uma forma bastante simples de burlar a regra e manter o Brasileirão como a liga em que mais ocorrem trocas de treinador.

Outro fato notável foi a “demissão antecipada”: considerando que as demissões antes do início da competição não eram abrangidas pela regra, muitos clubes simplesmente foram “menos pacientes” e trocaram de treinador ainda durante os estaduais.

Voltando a falar da mais nova moda entre os clubes brasileiros, a contratação de treinadores estrangeiros, a falta de critérios e debilidade da estratégia esportiva são as mesmas de sempre, independentemente do país que emitiu o passaporte do “professor” (ou “mister”). Ocorre que contratar um treinador estrangeiro significa também contratar um treinador que tem “mercado” fora do Brasil, e que por isso está menos preocupado se não puder se empregar novamente no país durante o campeonato.

Assim como no texto do ano passado, uso o exemplo do Santos (não é perseguição, mas tem coisas que parece que só acontecem por lá). O clube contratou o argentino Ariel Holan para ser o seu treinador em 2021. Ocorre que, no jogo de ida da semifinal do Campeonato Paulista, o Santos perdeu para o Corinthians por 2×0 em casa, jogando com o time reserva. Após o jogo (que ocorreu sem público por causa da pandemia), torcedores foram à porta do estádio protestar pela má fase do time. Mais tarde, outro grupo de torcedores (ou o mesmo, não se sabe) foram à casa do treinador soltar foguetes e mais uma vez manifestar sua insatisfação. Vendo esse tipo de reação, e prestes a pegar o Boca Juniors pela Libertadores, o treinador achou melhor pedir o boné.

O relato acima talvez não espante um brasileiro, mas deveria: o time perde um jogo de campeonato estadual e o treinador descobre que um grupo de torcedores (provavelmente nada pacíficos) não só sabe onde ele mora como tem coragem suficiente para ir até lá soltar foguetes para intimidá-lo. Bom, o episódio espantou o argentino, que foi embora de Santos e hoje trabalha no mexicano León.

A conclusão é simples e objetiva: os clubes brasileiros, na média, não sabem contratar treinadores. Quando contratam, não sabem avaliar a qualidade do trabalho e projetar o futuro, e por isso demitem com muito mais rapidez do que deveriam. Isso não vai mudar com uma regra no regulamento do Brasileirão. A solução (ou o começo dela) é bem conhecida, muito falada, mas pouco praticada: profissionalização do Departamento de Futebol, criação de processos de contratação com análises amplas e que levem em conta o perfil do profissional, do elenco e do clube (e não só o país que emitiu seu passaporte), alinhamento de expectativas e divisão de responsabilidades na gestão do elenco e da comissão técnica, e avaliações claras e objetivas sobre a qualidade do trabalho desenvolvido.

Por que isso não é feito? Porque é difícil, demora, e demanda qualificação profissional (tanto hard skills quanto soft skills). Infelizmente, o Brasil está muito atrasado tanto em prover essa qualificação profissional quanto em dar espaço para quem tem essa qualificação poder atuar dentro dos clubes. A esperança é que a atual “virada de eixo” em curso, na qual clubes grandes “diminuíram” e clubes pequenos estão virando grandes, faça com que os dirigentes caiam em si. A possibilidade de clubes-empresa, que visam ao lucro (e quebram se mal geridos), também é promissora (mas assunto pra outra hora).

Enquanto isso, a música segue tocando e os treinadores seguem dançando. Estamos em fevereiro e as demissões já começaram. Espero que todos (clubes, treinadores, torcedores, imprensa e demais stakeholders) percebam que a brincadeira já perdeu a graça e passem a agir como adultos.

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