Categoria: Gestão esportiva

  • Deixe o Paraná Clube falir

    O Paraná Clube tem a oportunidade de entrar pra história no próximo dia 12 de junho: pode ser o primeiro clube de futebol brasileiro a ter a sua falência decretada. Este texto é um apelo ao presidente Rubens Ferreira: por favor, permita que isso aconteça.

    Primeiro de tudo, eu quero dizer: Rubens, eu admiro sua coragem. Assumir a presidência do Paraná Clube neste momento é admirável. Beira a loucura, muita gente deve ter lhe dito.

    O clube vem de uma série inacreditável de rebaixamentos, acaba de completar mais um ano de déficit e a dívida total chegou a incríveis R$ 156 milhões. Você foi eleito e assumiu o clube no meio de uma pandemia, sem poder receber público. Abriu mão do conforto da sua família para, aos 68 anos, lidar com uma série de desafios completamente novos pra você: gerir um clube de futebol, tomar decisões de alto impacto, contratar atletas, treinadores, executivos, profissionais de saúde, acompanhar o dia a dia da operação. Além disso, lidar com uma exposição pública que você nunca teve, o julgamento da imprensa e da torcida, e o alinhamento de expectativas com milhares de stakeholders, entre colaboradores, torcedores e (muitos) credores.

    E não para por aí: associados e conselheiros, pessoas que te ajudaram a se eleger, agora gostariam de influenciar nas suas decisões. Tudo isso dentro de um processo de recuperação judicial que não recuperou nada, e que só existe pra substituir o tal “ato trabalhista” e diminuir a ameaça constante de bloqueio das contas bancárias.

    Eu conheço muito bem essa realidade: fui gerente jurídico do Clube entre 2012 e 2014. Eu estava lá quando recebemos a notícia da condenação no “caso Thiago Neves”. Estava lá quando o clube jogou pela primeira vez a segunda divisão do Paranaense (e todos achávamos que seria a única). Estava lá quando o clube atingiu o fundo do poço. Mas, depois de um breve respiro e de conseguir disputar a Série A em 2018, o clube não só voltou a esse fundo do poço como descobriu que ele tinha um alçapão.

    E você decidiu mergulhar nesse alçapão. Um sujeito com experiência no mercado financeiro e uma vida dedicada ao Paraná Clube. Alguém que não precisava disso. A sua coragem de sair da indignação e ir para a ação é realmente digna de aplausos.

    Mas você precisa admitir: você nunca esteve preparado para este desafio. Ninguém está. É impossível achar alguém com capacidade pra lidar com tantos problemas assim ao mesmo tempo, em especial sem receber nada por isso. Mesmo o presidente anterior, que recebeu um bom salário enquanto esteve “com a caneta na mão”, mostrou que era incapaz. Vocês todos passaram pela chamada “seleção adversa”: não foram selecionados por serem os melhores, e sim porque ninguém realmente capacitado seria louco o suficiente pra aceitar esse desafio. Nenhum executivo com capacidade de gestão pra comandar o turnaround de uma empresa que viu seu faturamento cair de R$ 50 milhões para 5, com um patrimônio líquido negativo de R$ 36 milhões, aceitaria colocar o CPF em jogo sem receber um centavo por isso.

    Você, sem dúvida, era “um de nós”. Um torcedor apaixonado, que frequenta o clube e o estádio desde a fundação/fusão (na verdade, desde bem antes disso). Mas também era “um de nós” naquele “pequeno” detalhe que eu já mencionei: você não tinha as respostas pros problemas do clube, nem a capacidade pra encontrá-las.

    Eu não estou falando das respostas que surgem nos “papos de boteco”. Estou falando de respostas pra perguntas como: a nossa relação dívida/EBITDA não dá um sinal de inviabilidade operacional? Como podemos aumentar o ROI dos nossos ativos? Qual modelo de jogo vamos adotar nas competições deste ano? Qual treinador usa esse modelo de jogo e é viável financeiramente? Nosso elenco vai ter quantos atletas? Vamos manter as categorias sub-14 e sub-15, mesmo sem certificado de clube formador? Como vamos atingir um fluxo de caixa que satisfaça nossa necessidade de capital de giro?

    Você não foi o primeiro. Muito pelo contrário: a história dos últimos vinte anos do Paraná Clube mostra dois perfis de dirigentes. Os “abnegados”, que em geral tinham uma vida confortável na aposentadoria ou na gestão de uma empresa própria, e que foram convencidos por um grupo de amigos influentes no clube a aceitar concorrer à presidência. E os “parasitas”, pessoas que pensaram em assumir o Paraná Clube pra usá-lo como um “trampolim” para ambições pessoais ou, pior ainda, pra enriquecer ilicitamente; alguns entraram depois na política, outros entraram depois com ações trabalhistas pra cobrar do clube benefícios que eles mesmos se concederam (você sabe de quem eu estou falando).

    Você sem dúvida está no primeiro grupo. Um torcedor “de arquibancada”, “gente como a gente”. Alguém que estava vendo o caminho que o clube estava percorrendo e chegando à conclusão óbvia: daqui a pouco, não vou mais ter um time pra torcer. Vou ficar órfão do futebol. Meu time vai acabar. Ou, pior do que acabar, vai se tornar irrelevante, pra sempre o “Paranazinho”. Aposto que você já ouviu (talvez até tenha dito) que o Paraná estava “virando uma Portuguesa”. Uma lembrança saudosa pros seus torcedores menos fanáticos, uma cruz carregada pelos mais fanáticos, e pros demais torcedores um alerta sombrio sobre como é possível destruir um clube de futebol.

    Você não merecia isso. Nenhum torcedor paranista merecia. Não que a torcida paranista ainda sonhe em disputar mais uma Libertadores e ficar a dois gols de trazer o Boca Juniors pra jogar na Vila Capanema, como em 2007. Mas poxa vida, será que o torcedor não merece nem um Paraná x Guarani pela Série B numa sexta-feira chuvosa?

    E, com toda aquela coragem, você foi lá e assumiu o clube. Com um discurso grandioso, como tinha de ser. Primeiro pra “trazer a torcida junto”, uma torcida cada vez menor, mas fiel e apaixonada. Capaz de colocar 40 mil torcedores na Arena da Baixada contra o Internacional apenas cinco anos atrás, capaz de colocar 9 mil torcedores embaixo de chuva na Vila Capanema contra o Pouso Alegre no último jogo da Série D no ano passado. Eu confesso: estava lá contra o Inter, não estava mais contra o Pouso Alegre. Muitos seguiram o mesmo caminho ao longo dos últimos anos, mas como nos culpar?

    No meio disso tudo, veio a Lei das SAF. E seus olhos brilharam, eu sei. “É agora, vou salvar o clube vendendo ele pra um milionário russo ou pra um sheik árabe”. O primeiro passo era pedir a recuperação judicial, “estancar a sangria”, negociar com os credores, enfim, “arrumar a casa” antes de anunciar no jornal: procura-se investidor.

    Mas, como disse o Garrincha, você combinou com os “russos”? Não com os investidores, mas com os credores. Os credores do Paraná Clube sabem de um fato: o Paraná Clube é um mau pagador. Um péssimo pagador. Na maior parte das vezes, um não-pagador. Foi assim comigo, quando saí do clube com quatro salários a receber. Foi assim com os herdeiros do Seu Lino Moroso, que emprestou muito dinheiro em condições “de pai pra filho” para o clube em várias ocasiões, e que sempre se deixou ser enganado por diversas gestões ao longo dos anos.

    Nesse ponto eu preciso te dizer uma coisa: o que você fez não ajudou em nada a situação. Usar contas de terceiros pra movimentar o dinheiro do clube sem que os credores soubessem não queimou só o filme do clube, mas também o seu (fora a grana que te custou). Eu sei, você não foi o primeiro a fazer isso (muito pelo contrário), mas foi o primeiro a ser pego, e num momento crítico. Isso porque agora um número considerável dos quase quinhentos credores do clube quer algo bem claro: a decretação da falência do Paraná Clube.

    E, como eu disse lá no começo, estou aqui pra fazer um apelo pra você: faça isso acontecer. É a sua última chance de entrar pra História como herói.

    O clube, como está hoje, é completamente inviável financeiramente. A dívida é impagável , a capacidade de geração de receitas diminui dia após dia, e as fontes de crédito secaram completamente.

    Também é inviável operacionalmente. As categorias de base estão “alugadas”, e o futebol “profissional” só tem esse nome no papel, sendo tocado atualmente por um agente de jogadores e um dirigente amador, cuja formação em futebol é somente ter passado muito tempo dentro de vestiários. Os departamentos de comunicação, marketing e comercial fazem o que dá com os recursos (físicos e humanos) que têm, ou seja, praticamente nada. E as receitas com bilheteria… bem, nem receber público o time está podendo.

    Por fim, e não menos importante, o clube é completamente inviável politicamente. O estatuto é um desastre, que garante que ninguém seja capaz de salvar o clube. Você vem descobrindo no dia-a-dia: a caneta do presidente não vale quase nada, e dezenas de conselheiros estão ali prontos pra dar pitaco e vedar algum avanço. Isso também impede que qualquer negociação que implique sigilo vá adiante, como você já sabe muito bem.

    Mas existe uma última chance. Um remédio amargo. Uma última oportunidade de salvar o clube, permitindo que este Paraná Clube morra e dê lugar a um novo, a partir da única coisa que realmente importa: o seu escudo e as “três cores do seu estandarte”.

    Apenas um ativo do Paraná Clube ainda tem algum valor: a sua marca. É muito difícil estimar o valor de uma marca, em especial de um clube de futebol, e num leilão judicial a tendência é de que o preço fique abaixo do “justo”. Mas o preço importa mesmo? Ou o que importa é existir um Paraná Clube?

    Essa venda, obviamente, só aconteceria com a morte do atual Paraná Clube. A sua falência, de fato e de direito. Algo que está bem próximo de acontecer, “por bem ou por mal”, no próximo dia 12. Por bem, você, Rubens, toma esse ato de grandeza para si e requer a falência; isso está previsto no art. 105 da Lei de Falências, pergunte aos seus advogados. Por mal, você insiste em pedir recuperação judicial, os credores reprovam o plano de recuperação e pedem a falência do mesmo jeito.

    No primeiro caso, você tem a chance de ser o herói. O cara que provou realmente ser corajoso. Que adotou a única solução possível, ainda que muito dolorosa, e permitiu que alguém se apresentasse pra comprar a marca Paraná Clube e levar o legado do clube adiante, “limpo”, sem dívidas nem ligações com a massa falida. Que, antes de pedir aos credores pra abrir mão de 90% do que têm a receber, falou “eu entrego pra vocês tudo que temos, porque é o certo a se fazer”. Que, daqui a dez anos, vai ser lembrado com o mesmo respeito e reverência dos fundadores do Paraná Clube, que 34 anos atrás decidiram “matar” dois clubes pra permitir que um clube gigante nascesse em seu lugar.

    No segundo caso, me desculpe, só vai lhe sobrar o papel de vilão. De alguém que impediu o Paraná Clube de morrer e renascer. A marca Paraná Clube vai se degradar ainda mais, dia após dia. Daqui a pouco, nem “casas de tolerância” vão aceitar patrocinar a camisa do clube. A segunda divisão estadual vai ser a sua “casa” permanente. Talvez a Terceirona. E o seu nome vai ser lembrado como o do presidente dos dois rebaixamentos, que sustentou um “clube zumbi” pela falta de coragem de fazer o que era certo.

    A gralha azul, mascote do clube e do nosso Estado, pode emprestar um truque da sua prima fênix. Mas, pra ressurgir das cinzas, antes é necessário queimar. O isqueiro está nas suas mãos. Você vai ter a coragem de usá-lo?

  • MLS, Brasil e nosso museu de grandes novidades

    Semana passada tive a oportunidade de acompanhar duas aulas com o Diogo Kotscho, Senior VP de Comunicação do Orlando City.
    Além da união e cooperação entre equipes (principal lição que o futebol brasileiro pode tirar da MLS), como se esperaria de uma liga, o que chamou muito a minha atenção é como a visão do clube de futebol como um produtor de eventos e conteúdo é a base de tudo que eles fazem.

    Nas palavras do Diogo, não existe um post em rede social, vídeo ou material gráfico do Orlando City que não tenha saído de dentro do próprio clube; eles têm dentro da sua estrutura uma produtora audiovisual e uma agência de publicidade.

    Se o trabalho deles é bom? E se eu te disser que o primeiro troféu do Orlando City no ano foi um Emmy? O episódio 1 da série-documentário Bleed Purple acabou de ganhar o mais importante prêmio de programas de TV do mundo. Se quiser conferir:

    Mas o que isso tem a ver com futebol? Simplesmente tudo. Foi exatamente pela capacidade de produzir conteúdo digital de qualidade que o clube conseguiu entregar aos seus 40 (isso mesmo, 40) patrocinadores o retorno esperado e assim manter boa parte das suas receitas, o que permitiu que eles não só mantivessem as contas em dia (o que na MLS não tem nada demais) mas também não demitissem nenhum (isso mesmo, zero) colaborador durante a pandemia.

    Quer mais? Foi iniciativa do Orlando City a criação de uma “bolha” em plena pandemia, usando a estrutura dos complexos ESPN/Disney de Orlando, que permitiu a realização do torneio “MLS is Back” entre julho e agosto do ano passado. A ideia foi tão boa e tão bem executada que a NBA copiou e fez a sua própria “bolha”, dentro do mesmo complexo e sem que houvesse nenhuma comunicação “interbolhas”, para concluir a sua temporada 2019/20.

    Mas sabe qual foi a maior ironia pra mim? O Diogo é brasileiro. O Alex Leitão (CEO) é brasileiro. E o acionista majoritário e chairman é o Flávio Augusto da Silva (que, caso você não saiba, também é brasileiro). E não são daqueles brasileiros “com asterisco”, que moram nos EUA desde criança ou são americanos filhos de pais brasileiros: são caras com carreiras consolidadíssimas aqui no Brasil.

    É inevitável a pergunta: por que um clube com tantos brasileiros está implementando um projeto tão bem-sucedido… nos EUA? Diogo com a resposta: “somos uma empresa americana, com uma cultura empresarial americana e uma base de clientes americanos”.

    E essa, pra mim, foi a lição final de tudo que ele falou: o nosso problema é cultural. Nossos clubes não têm marcas, têm brasões. Nossos clubes não têm consumidores, têm “fanáticos”. Nossos clubes levam a rivalidade de dentro de campo para os arbitrais, para a imprensa, para as negociações de patrocínio… Enfim, nossos clubes são instituições centenárias cuja cultura está coberta de poeira e ferrugem, cujas estratégias de negócios não evoluíram (se é que existiram).

    Felizmente, esse paradigma está sendo superado. Palmeiras, Flamengo, Fortaleza, Ceará, Bahia, Athletico-PR, América-MG, dentre outros, começam a colher no campo as mudanças que fizeram nos escritórios. Mas eu me pergunto se ainda dá tempo, e quando teremos umas Série A com 20 clubes minimamente organizados. A destruição de valor promovida (internamente) no futebol brasileiro nas últimas décadas foi assustadora, e, enquanto lá fora se discutem a negociação de direitos de streaming, SPACs esportivas, entrada de fundos de private equity e criação de “superligas” multinacionais, aqui ainda não conseguimos colocar 20 dirigentes numa sala pra chegar a um acordo sobre transmissão em TV fechada, o que criou no ano passado uma série de “jogos fantasma”, sem audiência dentro ou fora do estádio.

    Que o futebol brasileiro consiga evitar o caminho de se tornar um “museu de grandes novidades”, em que problemas antigos são debatidos incessantemente, como se fossem novos, sem que se chegue a uma conclusão. Que os amadores, cuja habilidade política leva ao comando dos clubes, saibam dar espaço aos profissionais para que trabalhem e resgatem o futebol brasileiro. Ou então eles vão continuar aparecendo pra dar aula e contar casos de sucesso da sua experiência na MLS.